Verão a aproximar-se perigosamente. É tempo de “copos e mulheres” a penalizarem as bolsas dos portugueses, como diria o sr. Jeroen Dijsselbloem. Está na hora, não nos referimos aos arraiais e festarolas populares, por esse país fora, antes às jantaradas familiares e similares com animação musical por tudo quanto é unidade hoteleira junto a praia ou campo.
Tempo melhorado traz fins de semana prolongados e férias curtas ou compridas. Salões de hotéis e restaurantes servem jantares, onde não faltam o “presunto pata-negra”, o “chouriço assado caseiro”. o “peixe pescado esta noite” e a “sardinha fresquíssima”, bem como a “imperial bem tirada”.
Tudo mimos – que não dispensam os nossos sorrisos críticos por tanta qualidade e primor gastronómico – prolongados com performances musicais de artistas a solo ou com banda. Boas e alegres jantaradas requerem temas musicais por demais conhecidos e, se possível, eira para passos de dança…Os Zés da Praia, os Pais e Filhas e outros mestres de festança não se coíbem de dar vida a quem atravessou o ano mais morto do que vivo! Não param, estejam os instrumentos aprimorados ou desafinados. Sons desconformes com a grandeza dos salões. Vozes desafinadas ou roucas por tanta digressão unem-se para satisfazer gregos e troianos. Quer sejam portugueses, meros passantes, que não cometeram nenhum pecado, ou turistas, emigrantes e outras faunas.
Os artistas chegam, ainda, com a sala vazia, mesas postas e empregados devidamente fardados – alguns com pescoços largos para botões de colarinhos frágeis; calças curtas revelando meias coloridas; lacinhos de lado e coletes pretos, cinzentos e vermelhos a dançarem ou a rebentarem em troncos já curvados.
Lá vêm eles ou elas – alguns e algumas já com horas em outra actividade – com os instrumentos. Carregados. Suados. Sorrisos a saberem a falso… no entanto, confiantes que durante umas horas proporcionarão felicidade a dezenas de pessoas. Autênticos mestres em afectos.
E os jantaristas a pouco e pouco ocupam as mesas cobertas por toalha branca, em plástico ou tecido, onde sobressaem toalhetes de papel. A decoração, simples, não vai além da habitual jarrinha com flores, geralmente plásticas, e de uma lista contendo os preços de vinhos, águas e digestivos.
Avermelhados, não bronzeados, como resultado de um dia inteiro ao sol e ao vento – os homens trajam camisas de manga curta, algumas de prestigiadas marcas, não poucas compradas nas feiras, ou camisolas de manga à cava às cores – onde em volumosos braços se distinguem poderosas e indescritíveis tatuagens – com apelativas inscrições promocionais; calças de ganga ou calções, xanatos… Muitas das acompanhantes são verdadeiras top-models, outras bem nutridas, revelando volumosas mamas ou largas ancas, apresentam-se com chinelas/sandália enriquecidas com coloridas pérolas plásticas, sapatos ou botas preparadas para falsificarem alturas ou elegantes sapatos com salto tipo agulha. E quanto a cabelos? Oleosos, que não veem pente ou escova, numerosos ainda molhados do banho e alguns verdadeiramente artísticos. Não faltam, pois, mulheres lindas e tentadoras, recheadas de ouros e dourados, emigradas, migrantes ou turistas; mas, também, cavalheiros que espalham pela sala sensualidade…
E grita-se: “Vanessa para aqui”, “Francisquinho viens ici”, “Tens de manger tudo”. Muito choro e berraria não perturbam, contudo, os bebés deitados em desmesurados carrinhos, onde vão esperneando e palrando, ao sabor do movimento de vai e vem a cargo dos familiares atentos.
Os primeiros sons já saem das colunas, misturando-se com os das televisões, de écrans quilométricos, onde desfilam ininterruptamente estrelas do pontapé na bola: “Então boa noite…Espero que estejam a gostar (certamente dos aperitivos!!!)…E vamos dar início a esta memorável noite, com este público tão maravilhoso, começando com uma coisa calminha…”
Confesso que enquanto utente – acidental – deste tipo de refeições/convívio me cai a nostalgia pelos jantares acompanhados com música suave, saída de piano de cauda, sem ar condicionado desregulado e som desgovernado, na Quinta de S. Vicente, Restaurante Castanheira ou, nos tempos que correm, num conhecido hotel da capital – apesar de às vezes a música sair demasiado alta. E se recuar a uma época de caos, 1972/74, em Tete, Moçambique, ao mítico Hotel Zambeze, será impossível não recordar a sala de jantar-terraço, onde pianista negro, trajando impecável smoking, ia até ao “As Time Goes By” do Casablanca, para deleite de militares e civis.
Tenho de ser sincero. Apesar de tudo, salvo pontuais excepções, delicio-me gloriosamente com estes jantares. Não pela qualidade do buffet ou pela actuação artística, antes pela felicidade transmitida por aqueles rostos que desfilam na pista de dança: casais de corpos apertados, ou balançando-se – agarrados pela ponta dos dedos; mulheres a dançarem com mulheres, pais com os filhotes ao colo e, até, avós na sua infinita paciência, a transmitirem aos rebentos os primeiros tangos, paso-dobles, marchinhas…ou a cantarem em uníssono o “…Como é que eu hei-de/ Como é que eu hei-de/ Como é que eu hei-de ir embora, com as perninhas todas à mostra e os marmelinhos quase de fora…” (Nelo Monteiro em Azar na Praia).
Natália Bravo
Ai balha-me deus que já não posso com as pernas! Assenta-te aí Jaquina qu’inda a noite é uma criança. Ó canalhada ide lá mais para fora e não pinchem na sala do baile. Ó Amílcar, então a tua filha ficou lá na França? Já não gosta aqui da terra q’a viu nascer? …
E foi assim até as pernas da Jaquina não aguentarem nem mais uma dança e a obrigarem a ir para casa.
Isabel
Meu amigo Zé, após me ter sentado a descançar um pouco antes do jantar após tarefas domésticas, resolvi lêr atentamente esta sua nota. Adorei a forma como a descreveu. Fez-me voltar atraz no tempo e recordar tudo mas mesmo tudo ao promenor do Ginjal que a minha mãe me levava a almoçar depois do passeio no Cacilheiro em dia festivo, as compras na mercearia do sr. Manuel (tudo a peso e pouquinho) era só para poucos dias, havia que poupar. Agora acho que é melhor ir tratar do jantar do Pedro.
Um grande abraço
Isabel
ana li
Ó meu amigo! Maravilha de recuerdos senhor chefe! O remate final faz o autor. Nostalgia sempre cínica a piscar o olho ao nel monteiro, ou nelo? nelito, lembrei-me do nelito de um amigo próximo. Té manhã Chefe. Boa!
Maria Oliveira
Muito bem caro Redator-Chefe, Escritor Empoderado!
Há convívios que, pela sua essência, poderão tornar-se frívolos e até infernais. Mas nem todos os encontros sociais enfermam desse mal, podendo até contribuir para alargar o olhar sobre o Mundo e o enriquecimento pessoal de cada um. Desse relato que transpira calma e aceitação do real, destaco uma expressão deliciosa e que retrata em larga medida o barómetro social de outras eras e atual, como os ` Sorrisos a saberem a falso…`. Muito bem escrito! Encanta e espanta… Aprecio a tua escrita escorreita e realista… As Mulheres de Letras e os Homens de Letras cuidam-se, intermitentemente…, mas cuidam-se! Bem Haja! Aquele abraço… 😉